A origem da família e do nosso sobrenome

Hoje em dia temos duas teorias sobre onde pode ter sido o “ninho” da família Gyuricza. O significado do sobrenome é inequivocamente “Jorginho”.

A primeira delas – e a que era repetida pelo meu avô quando ele contava e recontava a história da família – é que os Gyuricza sempre moraram “…nas encostas dos Montes Cárpatos, respirando o ar puro das montanhas e bebendo a água fresca dos riachos. Nossos antepassados eram donos de moinhos de água 1http://pt.wikipedia.org/wiki/Moinho_de_%C3%A1gua e lutaram ao lado de Máté (Mateus III) Csák contra o Rei”.

Máté Csák (1260-1321) 2Aqui um link em inglês sobre este controverso líder:  http://en.wikipedia.org/wiki/Matthew_III_Cs%C3%A1k foi um oligarca, descendente direto de um dos sete líderes que fundaram a Hungria no ano 896, que controlava mais de 50 castelos com seu exército próprio e dominava 14 condados do norte.

Se esta teoria for a verídica, os Gyuricza já habitavam a região de Trencsén (Trenčín) desde 1300, ou bem antes disso.

A segunda delas – que me foi contada pelo Prof. Antal Gyuricza alguns anos depois do meu avô ter falecido – é que não haviam Gyuriczas no norte da Hungria até o final do Século 16. Todos com esse sobrenome eram originalmente “eslavos do sul”, isto é, provinham de regiões que hoje fazem parte da Sérvia, Croácia, Bósnia, Montenegro e Kosovo. Com o avanço territorial dos turcos, que ocuparam e dizimaram toda aquela área, milhares de famílias fugiram para o norte procurando regiões mais pacíficas para se estabelecer. Como o norte do país (hoje Eslováquia) não foi invadido pelos otomanos, os Gyuricza refugiaram-se nas montanhas e viveram em relativa paz.

Sabemos que existiu um grande latifundiário, Conde László Csáky, que possuía terras tanto “no sul” (hoje parte da Sérvia) como “no norte”, em Gyetva (Detva). O Prof. Gyuricza achava que o Conde Csáky simplesmente “transferiu” (mandou buscar) algumas famílias de colonos de suas propriedades “do sul” para suas terras “do norte”. Já que não havia fronteiras entre esses lugares, tudo era um só país, era só colocá-los em carroças e assentá-los num novo local de trabalho. Verifiquei, e o povoado de Gyetva foi realmente fundado em 1638 pelo Conde Csáky; os primeiros livros paroquiais não mencionam o sobrenome Gyuricza nem entre os batizados, nem entre os casamentos. Somente uns 70 anos mais tarde, no início do século 18 é que começam a aparecer registros de Gyuriczas nos livros. Hoje em dia os Gyuricza da Eslováquia (que grafam o sobrenome como Ďurica) consideram a cidade de Gyetva, hoje já com 15 mil habitantes, como o “ninho” dos seus antepassados.

Vocês devem estar se perguntando: qual teoria é mais provável? Será que nossos antepassados nunca saíram da região de Trencsén e chegaram com as tribos húngaras em 896? Ou eram eslavos e já estavam por lá quando os húngaros chegaram? Ou nossa origem é “do sul” e nossos antepassados eram de uma região próxima de Kosovo e foram realocados para o norte pelo Conde Csáky?

Mesmo depois de 30 anos de pesquisa não posso dar uma resposta precisa a esta pergunta. Meu avô Gyuricza certamente não conhecia a “teoria dos eslavos do sul” e só pôde me contar o que tinha ouvido do pai, que tinha ouvido do avô, e assim por diante. Duas coisas são certas: primeiro, os Ďurica da Eslováquia que eu conheci são muito patrióticos e dizem que os seus antepassados são eslovacos “da gema”, até hoje nenhum pesquisador deles mencionou a teoria do Prof. Antal Gyuricza. Segundo, o diminutivo de Jorge em eslovaco não é Ďurica e sim Ďuro, enquanto que os “eslavos do sul” utilizam o sufixo -ica como diminutivo (exemplos: Marica, Katica, Gyurica, etc).  Devido à popularidade de São Jorge 3http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Jorge, padroeiro das regiões que hoje se chamam Sérvia e Montenegro, no século 16 Jorge era o terceiro nome masculino mais popular por aquelas bandas, e os sobrenomes, na forma como os conhecemos hoje, ainda não tinham se desenvolvido, as pessoas só utilizavam nomes próprios ou apelidos.

Um dia, quando as relações entre húngaros e eslovacos não estiver tão tensa quanto nos dias de hoje (2015) é possível que consigamos comparar nossas pesquisas e chegar a um acordo. Meus estudos comprovam que nos séculos 17 e 18 havia centenas, talvez milhares de Gyuricza vivendo perto de Trencsén. Ainda não consegui averiguar se essas pessoas tinham um antepassado em comum ou não.  É muito estranho que a lenda familiar mencione que nossos antepassados tenham lutado contra o Rei da Hungria, esse detalhe (por ser curioso e incomum) aumenta a sua veracidade, na minha opinião.

Aqui vale a pena mencionar que, numa de minhas visitas aos arquivos de Besztercebánya (Banská Bystrica) achei um mapa do século 19, e nesse documento vi o nome Ďurica-Odrobina denotando um povoado minúsculo! Fiquei muito entusiasmado porque esse pequeno ponto no mapa estava bem próximo aos vilarejos dos nossos antepassados e também de Gyetva – eu tinha localizado o “ninho” da família!

Pois é, algumas vezes as pesquisas nos frustram. Hoje em dia essa localidade se chama Holý Vrch (“monte calvo” em eslovaco), é composta de algumas casas somente, e embora todos os que moram lá tenham o sobrenome Gyuricza, os antepassados deles vieram de Gyetva no século 19, portanto não são nossos parentes “diretos”.

Não achem que o sobrenome Gyuricza seja tão incomum assim! No Brasil, nós todos (31 por enquanto) temos o mesmo antepassado e portanto somos uma só família, mas as listas telefônicas 4 Os jovens não sabem mais o que eram os catálogos ou listas telefônicas, grandes livros de páginas brancas ou amarelas que listavam todos os proprietários de linhas telefônicas de uma cidade. Era uma excelente ferramenta de consulta naquela época pré-internet. da Hungria e dos países vizinhos (especialmente a Eslováquia) estão repletas com esse sobrenome e suas variantes (Gyurica, Gyuritza, Ďurica, Ðurića). Por incrível que pareça, no mesmo navio em que meu tio György chegou ao porto de Santos em 1957 havia um József Gyuricza, que se estabeleceu em Tatuí, casou-se mas não teve filhos. Ele não era nosso parente. No meu facebook tenho três Gyuricza que não são meus familiares e que também não são parentes entre si. Na mesma rua em que meus avós moravam em Budapeste (Fűrész utca 113.) morava um certo Sándor Gyuricza, dono de uma pequena fábrica de elevadores que também não era parente.

 

Notas   [ + ]

1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Moinho_de_%C3%A1gua
2. Aqui um link em inglês sobre este controverso líder:  http://en.wikipedia.org/wiki/Matthew_III_Cs%C3%A1k
3. http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Jorge
4. Os jovens não sabem mais o que eram os catálogos ou listas telefônicas, grandes livros de páginas brancas ou amarelas que listavam todos os proprietários de linhas telefônicas de uma cidade. Era uma excelente ferramenta de consulta naquela época pré-internet.